“No manto, sobre a sua coxa tem escrito o nome: Rei dos reis e Senhor dos senhores.”
(Ap 19.16)
Seguramente a monarquia é a forma mas antiga de organização para o exercício do domínio sobre a sociedade, remontando do tempo dos chefes tribais. Além do poder ilimitado conferido ao rei: Chefe de Estado, governo vitalício e hereditariedade na transmissão do cargo, outros mecanismos simbólicos de manipulação do poder foram sendo agregados através da História, visando assegurar submissão ao rei. Os simbolismos, força de persuasão da monarquia, passaram cada vez mais ter importância na construção do ritual da coisa pública, colocando os monarcas como a vanguarda do marketing político. O culto a imagem e etiqueta ganharam novos contornos, assegurando submissão ao poder do rei, implicando na elevação do seu ego. Evento de mídia foi criado em torno da realeza, vestes pomposas, perucas e salto alto eram indumentárias obrigatórias, garantindo ao rei olhar acima dos demais. Foi dada cada vez mais importância aos rituais na construção da imagem positiva da figura do rei. A manipulação simbólica do poder (culto a imagem) e a razão simbólica estava diretamente relacionada à força de persuasão da monarquia. O rei era visto como um deus.
Esta concepção sobre a realeza é bem retratada pelos filmes épicos, o lado simbólico da monarquia através dos séculos. Porém, contrapondo-se a essa concepção sobre a figura do rei, o cristianismo, Jesus Cristo. O texto bíblico da profecia sobre o nascimento e o reino do Príncipe da Paz, 700 a. C. (Is 9.6)
“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.”
(Is 9.6)
Existe uma certa dificuldade de explicar o reinado de Jesus Cristo, em sua dupla natureza, até mesmo entre os cristãos. O costumeiro seria associar a realeza de Jesus ao manto, a coroa de ouro e ao cetro da realeza; em síntese, o usual seria comparar o reinado de Jesus aos símbolos relacionados ao poder. Então, como explicar o governo de um Rei (Jesus) que nasceu sem berço (manjedoura), profissão secular (carpinteiro), preso, zombado, escarnecido e morto como escravo (crucificado), sob a seguinte acusação: “ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS”. O próprio Jesus explicou aos fariseus, os religiosos da época, na passagem sobre a vinda do Reino de Deus (Lc 17. 20-21). Jesus estava lhes dizendo que o Reino de Deus é espiritual e torná-lo visível significa refletir a Deus na terra, através dos ensinos de Jesus. No mundo espiritual, ao invés das vestes pomposas, perucas e salto alto, os símbolos de nobreza são as atitudes, frente às situações do dia a dia. O testemunho da Salvação, o amor ao próximo, a obediência à palavra de Deus e o perdão são exemplos. São as atitudes que garantem o poder absoluto do Rei, segundo a descrição da profecia do nascimento e o Reino de Jesus (Is 9.6). Ademais, o Espírito Santo ressuscitou Jesus porque Ele venceu o pecado, vencendo a morte. Assim, o poder de persuasão do cristianismo não está na morte, mas na ressurreição de Jesus. A ressurreição é o evento que diferencia o cristianismo das religiões, observando que somente depois de ressuscitado Jesus testemunhou acerca da onipotência:
“E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra.
(Mt 28.18)
Explicada a questão da dupla natureza do reinado de Jesus, volta-se a discussão para as possíveis razões da decadência do governo da monarquia. A Revolução Gloriosa, Inglaterra (1688-1689), foi o sinal do enfraquecimento do absolutismo monárquico; o rei perdeu poderes em favor do parlamento. Nessa época instalou-se na Inglaterra uma monarquia parlamentar, tornando-se costume o uso da expressão que retrata bem o processo de decadência dos governos monarcas: “O rei reina, mas não governa.”
O rei passou a ser considerado uma figura tradicional, mas manteve posição destacada na sociedade. Gradativamente os governos monárquicos foram perdendo poderes pelo mundo afora, e, posteriormente, dando lugar à República - forma de governo em que o Chefe de Estado é eleito pelos cidadãos - ou mesmo dando lugar a outras formas de governo, como as monarquias eletivas.
Várias hipóteses poderiam ser formuladas para estudar a decadência dos governos monárquicos, hipóteses relativas as questões econômicas, políticas e sociais. Contudo, levanta-se a questão da razão simbólica estar diretamente relacionada à força de persuasão da monarquia, explicando a necessidade do rei ser visto como um deus. Logicamente, isso teria implicações em todas as demais questões, e a hipótese poderia ser enunciada da seguinte maneira:
“O culto a imagem, tônica do simbolismo da realeza, foi o fator determinante na decadência do governo da monarquia.”
A decadência dos governos monarcas, entre outros motivos, deve-se a elevação do ego de uma pessoa que busca o poder, rejeitando a Deus. Destaca-se entre os pecados dos governos monárquicos, o de querer colocar o rei na posição de Deus: Concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida. Portanto, sugere-se o seguinte caminho para se comprovar a hipótese formulada: O caminho de desviar o olhar para nosso rei interior.
Somos justiça de Deus, em Cristo.
Manoel Lúcio da Silva Neto é mestre em Engenharia de Produção (Mídia e Conhecimento), e autor do livro Cristologia ao seu Alcance, 2010.